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(Tau-te-King, 16)


quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Justiça : : uma questão de princípios e não de interesses próprios

Como Mãe, hoje, sinto que os princípios sólidos que os meus Pais me transmitiram e que constituem a verdadeira e a mais valiosa herança que me deixarão enfrentam como obstáculo fulcral uma sociedade individualista, onde a autocentração, por vezes, quase patológica, e fonte de tantos males, norteia a vivência de milhares de seres humanos que julgam ser esse o caminho para o sucesso, que entronizam, simplista e ilusoriamente, como caução sine qua non de uma felicidade prêt-a-porter.
Claro que um dos factores da felicidade é o sucesso sócio-profissional, ninguém o põe em causa, mas como tudo na vida, a receita deste estado de graça, intemporalmente almejado pela humanidade, não requer só um ingrediente. E, ainda bem, pois permite-nos vislumbrar mais do que uma dimensão das nossas vidas e anseios multifacetados. A versatilidade dessse desdobramento em vários papéis diários e em projectos futuros distribuídos por várias áreas da nossa existência permite-nos uma criatividade vivencial de que não usufruiríamos se ainda estivéssemos convictos da unicidade e universalidade racionalista que, durante tantos séculos, norteou a autoconsciência humana.

Todavia, foi essa análise racional universalista que conceptualizou princípios enquanto valores não tão maleáveis e corruptíveis como os particulares interesses próprios.

Thémis (Iustitia)


E vem toda esta conversa a propósito de uma singela questão que, no outro dia, a minha filha me colocou: "Mãe, o que é ser justo?". Perante tais perguntas infantis que nos põem um pouco siderados quanto à possibilidade de lhes darmos uma resposta precisa, objectiva, simples e explícita, com base no seu conhecimento empírico, mas também, com a consciência de que, se há algum aspecto que não escapa a estas mentes inocentes, mas muito mais abertas à inovação que nós, já modelados por décadas de experiências que nos toldaram, em maior ou menor grau, conforme as características de cada um, a visão do mundo que nos rodeia, são as regras.

Bem, e que é que eu respondi? Bem, com a ressalva de que lhe tentei explicitar o conceito com base numa linguagem mais simples em termos formais, disse-lhe que uma pessoa justa é aquela que respeita a liberdade, o bem-estar, o espaço simbólico e físico e a existência alheios como os seus e assume a responsabilidade das suas palavras, actos e omissões, assim como exige que os outros assumam a sua quando provocam danos a alguém pela mesma via. Ser justo, minha filha, é não tentarmos imputar aos outros a culpa que nós sabemos, em consciência, ser nossa; mas ser justo, minha filha, também, é defendermos um direito inalienável de qualquer ser humano: o da legítima defesa perante uma agressão, seja ela verbal ou física. É um direito constitucional estipulado com base em princípios universais. Em linguagem infantil (para os não crentes, que isto das infantilidades quanto às questões religiosas tem, também, o que se lhe diga): minha filha, Jesus Disse-nos para Darmos a outra face à bofetada do outro, porém, se a deres sempre, correrás o risco de fazer com que agressores natos continuem a pensar que podem impor a sua animalidade aos outros sempre que querem. Nós, como cristãos, nunca atacamos, mas temos o direito e o dever de nos defendermos. E lembrei-lhe uma frase que um padre meu amigo, certo dia, me repetiu, em jeito de conselho: "Minha querida, até Jesus disse: "Sede mansos como as pombas, mas prudentes como as serpentes". Sim, de facto, a máxima "Ama o Próximo como a ti mesmo" implica que exijamos de nós aquilo que exigimos aos outros, numa relação de bivalência.


Apenas a partir do séc.XVI, Thémis passou a ser representada, ironicamente, com a venda, invenção atribuída a artistas alemães.

A noção de justiça implica, assim, um distanciamento do sujeito de si próprio, i.e., dos seus interesses particulares e dos seus instintos mais básicos, um processo de descentração, uma grande capacidade de auto-ironia, que obstaculizem a actualização de um egocentrismo que funcione como venda que, neste contexto, não significa, de todo, isenção e imparcialidade, mas desresponsabilização. Ser-se justo não é culpar os outros dos erros que cada um de nós comete, ser-se justo é assumi-los, mas exigir que os outros os assumam, igualmente, não por retaliação, mas por princípio. Porque a actualização do conceito de legítima defesa não funciona só como uma medida de coacção, mas, essencialmente, de prevenção, i.e., como um acto pedagógico- mostrar os limites a alguém é lembrar-lhe que a sua liberdade acaba aonde a do outro começa, sejamos nós esse outro ou não, que uma má acção legitima uma reacção proporcional, embora de teor diferenciado (noblesse oblige), e que o respeito pelo próximo implica, antes de mais, o respeito por nós mesmos. Isto porque os indivíduos muito instintivos, que não filtram as suas pulsões mais básicas pelo coador da consciência, não raro, tendem a ser muito pavlovianos- só reagem a estímulos condicionados.
Por isso, aconselho: exija respeito e justiça de quem quer que se cruze consigo nesta viagem que é a vida, pois, ainda que muita gente se julgue intocável e deificada e que sobreponha sempre os seus interesses aos do próximo, recolhendo-se, com frequência, na auto-vitimização como reflexo da sua recorrente desresponsabilização, quando se defronta com justas reacções perante as suas más palavras ou acções, mais ou menos camufladas, o facto é que não o é. Só a legítima defesa o (a) fará reflectir, nem que seja só por uns breves segundos. Mais não seja, para a próxima, pensará que, afinal, a suposta intocabilidade que o ilusório reflexo do lago lhe devolve, com frequência, por força do despotismo do seu ego exacerbado, é um bluff e, certamente, que se tornará, pelo menos, mais prudente.
Deveras, pacifismo não é, de todo, um sinónimo de passividade, assim como assertividade não é de agressividade e humildade de subserviência, apesar de, hoje, se desvalorizar esta penúltima em prol de uma arrogância própria de quem confunde acumulação de conhecimentos com sabedoria. Sinais dos tempos e da intemporal prepotência da ignorância ou da falta de auto-estima, exteriorizadas em apócrifos complexos de superioridade, facilmente desconstruídos.

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