Poucos serão os que, neste mundo de egos desmedidamente exacerbados, encaram a rejeição (do Lat. rejectione), que implica o movimento contrário de um investimento humano, com naturalidade, confundindo orgulho com dignidade que, contrariamente ao que o senso comum advoga, se afirmam enquanto duas dimensões completamente distintas, uma vez que as pessoas dotadas de uma suprema dignidade existencial são, geralmente, muito humildes e encaram o orgulho como um obstáculo à comunicação interpessoal e à felicidade, como um vício e nunca como virtude, fundamentalmente, quando é hiperbolizado, ao ponto de conduzir o sujeito à autodestruição, julgando que se está a elevar ao olhar alheio, quando, na verdade, se está a diminuir interiormente de forma patética. Talvez não seja em vão que seja um dos 7 pecados capitais...
Conheço várias pessoas que, dotadas de uma boa formação moral, se perderam pelo orgulho, transformando-se em seres rancorosos, negativos, frustrados, invejosos, medrosos, maldosos, auto e hetero destrutivos, vingativos, enfim, medíocres, com uma fraca capacidade de regeneração, de vontade para partir do 0, para conceder novas oportunidades a novas pessoas na sua vida e a si próprios. Tudo porque encararam as rejeições como humilhações- daí ao desenvolvimento de um surdo e nefasto rancor foi um passo que não de gigante.
Logo que vimos ao mundo, quando saímos da super-protecção do ventre materno, o nosso organismo está sujeito às agressões do meio ambiente e, para sobreviver, tem de se adaptar ao contexto em que foi inserido, sob pena de sucumbir...É um exemplo de como a humildade, assentando numa salutar descentração, conduz à flexibilidade e a uma natural e profícua adaptabilidade...Humildade que se distingue, claramente, da tendência, também, muito vulgar, para a demasiada flexibilidade da coluna, essa sim, indignificante e cobarde.
Gustave Doré (1832-1883), Os Sete Pecados Capitais
Casos há em que bebés super-protegidos das naturais agressões do ambiente circundante não criam um sistema imunitário suficientemente forte que permita debelar infecções quando, inevitavelmente, se confronta com bactérias malignas...A lógica contrária também é verídica- foi-me dito por um médico, quando sobrevivi a uma pancreatite aguda enquanto grávida, que esse milagre se deveu ao meu sistema imunitário ter sido reforçado por, em criança, vivendo no mato (província) africano, ter lidado, desde muito cedo, com bactérias benignas, contactando com a terra, com a relva, etc, i.e, com agressões naturais e salutares...
Fico sempre com muita pena quando encaro com alguém que reage à rejeição com ridículos e minorizantes sentimentos de raiva e rancor- se a encarasse como algo inevitável no percurso de qualquer ser humano, talvez não fosse confrontado com repetidas ocasiões em que a dinâmica se reitera. A regeneração interior implica a capacidade para não se transportar sentimentos e memórias negativos do passado para o presente, comprometendo o futuro, implica sabermos conceder oportunidades a pessoas que não têm alguma responsabilidade pelo papel nefasto que algumas criaturas menores por nós maximizadas, em determinado momento menos inspirado das nossas existências, assumiram no nosso percurso pretérito, sob pena desse padrão eternamente nos perseguir. Quantas oportunidades de ouro este tipo de personalidades perdem ao longo de uma vida devotada ao culto do seu alter ego!
Já qui o disse- ser-se inocente não implica ser-se ingénuo, bem pelo contrário, um inocente é alguém experiente que opta por ter a alma limpa dos grânulos infectos, se desenvolvidos, que criaturas mais ou menos negativas, mais ou menos banais, mais ou menos medíocres, nos vão deixando, inevitavelmente, no coração; um ingénuo é um imberbe (etimologicamente do Lat., o que não tem barba, o que não usufrui de experiência de vida), enfim, um imaturo.
Interessante será concluir que um orgulhoso desmedido é, antes de mais, um imaturo, pois nunca saberá lidar com a rejeição com a humildade e dignidade que lhe seriam muito benéficas, não mostrando qualquer capacidade de regeneração interior.
Mais uma vez, se comprova como a lógica simplista do senso comum é facilmente desconstruída por uma análise menos ligeira, como se confunde leviana e facilmente fragilidade com força interior. Um vencedor não é aquele que evita obsessivamente as quedas, que se sente minorizado por assumi-las publicamente, não, é aquele que cai, que assume, de peito aberto às inevitáveis cobardes balas, as perdas como naturais no percurso de qualquer vida humana, sendo capaz de se reerguer, regenerando-se, reiteradamente, sem inférteis, confortáveis e sempre patéticas autocomiserações. Já diz o provérbio chinês: se o problema tem solução, óptimo, procuremo-la, se não tem, está solucionado per se.
Aliás, não fazendo de todo a apologia autoflagelatória do sofrimento, no entanto, é um facto que, intemporal e transversalmente, qualquer religião ou filosofia esotérica encara o sofrimento como uma ponte privilegiada para o Conhecimento, para a maturação do Espírito, da Centelha Divina que todos transportamos dentro de nós (uns mais do que outros, convenhamos...). Dedução talvez incómoda num tipo de sociedade obcecado com o prazer a qualquer custo...Paciência, o comodismo e a facilidade acéfala, também, nunca foram catalisadores da evolução........
Insisto, igualmente, no papel profícuo, libertador, higiénico e purificador da verbalização do tabu, sempre minorizante, aliás...
Fiat Lux!
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