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(Tau-te-King, 16)


sexta-feira, 19 de outubro de 2007

A força inexorável da fé segundo Ian Buruma

British Museum, Pavilhão da China
Isabel Metello ©

Um amigo fez-me chegar às mãos, via email, este texto extraordinariamente isento sobre a força da fé. Se o lerem ficarão, certamente, maravilhados com a solidez da sua argumentação.

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Ian Buruma*, "As revoltas dos justos", PUBLICO, 17 Out 2007

"A fé ocupa um lugar na política quando os liberais seculares são impotentesTornou-se moda em certos círculos elegantes considerar o ateísmo como um sinal de superior educação, de mais elevado nível de civilização, de iluminação. Best-sellers recentes sugerem que a fé religiosa é, na realidade, um sinal de atraso, a marca de primitivos que ainda não saíram da idade das trevas e que não são capazes de raciocínio científico. A religião, dizem-nos, é responsável por violência, opressão, pobreza e por muitos outros males.Não é difícil encontrar exemplos que sustentam estas declarações. Mas será que a religião também pode ser uma força para o bem? Será que há casos em que a fé religiosa vem em auxílio mesmo daqueles que não a possuem?Visto que nunca tive nem os benefícios nem as infelicidades decorrentes da adesão a qualquer religião, pode parecer hipócrita que eu defenda os que tiveram. Mas, ao observar a forma como os monges birmaneses na televisão desafiavam as forças de segurança de um dos regimes mais opressivos do mundo, é difícil não encontrar algum mérito na crença religiosa.A Birmânia é um país profundamente religioso, onde a maioria dos homens vive nalgum momento da sua vida como monge budista. E mesmo o mais brutal dos ditadores birmaneses deve hesitar um pouco antes de lançar um ataque mortal contra homens cobertos com as vestes açafrão e cor de vinho típicas da sua fé.Aos monges birmaneses e às monjas nas suas vestes cor-de-rosa juntaram-se estudantes, actores e outros que pretendiam libertar o país da junta militar. Mas foram os monges e as monjas que deram o primeiro passo, foram eles que ousaram protestar quando os outros tinham praticamente todos desistido de lutar. E fizeram-no com a autoridade moral da sua fé budista.Os românticos podem dizer que o budismo não é bem como as outras religiões, que na realidade é mais uma filosofia que uma religião. Mas o budismo tem sido uma religião em diferentes regiões da Ásia há muitos séculos e, como qualquer outra crença, também pode ser usado para justificar actos violentos.Basta olhar para o Sri Lanka, onde o budismo se alia ao chauvinismo étnico na guerra civil a fogo lento que opõe os budistas ceilonenses e os hindus tamil.Da mesma maneira que os budistas arriscaram a vida para defender a democracia na Birmânia, os cristãos têm feito a mesma coisa noutros países. O regime de Ferdinando Marcos, nas Filipinas, estava condenado nos anos 80, a partir do momento em que a Igreja Católica se voltou contra ele. Milhares de cidadãos comuns desafiaram os tanques quando Marcos ameaçou esmagar o "Poder Popular" pela força, mas a presença de padres e de freiras deu à rebelião a sua autoridade moral.Muitos dissidentes políticos na Coreia do Sul sentem-se inspirados pelas suas crenças cristãs e o mesmo acontece na China. E ninguém pode negar que a autoridade religiosa do Papa João Paulo II foi um estímulo para a rebelião contra a ditadura comunista na Polónia, nos anos 80 do século passado.Os verdadeiros crentes verão certamente a mão de Deus nestes acontecimentos revolucionários. A principal adversária de Ferdinando Marcos, Cory Aquino, gabava-se de ter uma comunicação directa com o Senhor. Como não-crente, sou obrigado a encarar estas alegações com cepticismo, mas o poder moral da fé religiosa não exige nenhuma explicação sobrenatural. A sua força advém da própria fé - fé numa ordem moral que desafia ditadores, sejam eles seculares ou, mesmo, religiosos.Entre os resistentes mais activos contra os nazis na II Guerra Mundial havia muitos devotos cristãos. E alguns acolheram judeus - apesar dos seus próprios preconceitos - simplesmente porque viam isso como um dever religioso.A fé nem sequer tem de ser num ente sobrenatural. Homens e mulheres que encontraram forças na sua crença no comunismo resistiram ao nazismo com igual tenacidade.Apesar da horrível violência dos fanáticos islamistas, não devemos esquecer que as mesquitas podem também constituir um centro legítimo de resistência contra as maioritariamente seculares ditaduras do Médio Oriente de hoje. Num mundo de opressão política e de corrupção moral, os valores religiosos oferecem um universo moral alternativo. Esta alternativa não é necessariamente mais democrática, mas pode sê-lo em certos casos.Apesar disto, o perigo de todos os dogmas, religiosos ou seculares, é que levam a diferentes formas de opressão. A revolta contra o domínio soviético no Afeganistão foi liderada por guerreiros sagrados que, em seguida, impuseram a sua própria forma de totalitarismo.Mais: a liderança carismática pode ser um problema mesmo quando se reveste de uma forma benigna. O estatuto de Cory Aquino nas Filipinas, comparável ao da Virgem Maria, era mobilizador nos dias agitados do Poder Popular, mas pouco fez para estimular o aparecimento de instituições democráticas seculares.Na Polónia, mal a batalha contra o comunismo foi vencida, o movimento Solidariedade depressa foi submerso por conflitos entre democratas seculares e crentes que procuravam na Igreja a sua inspiração.A fé representa um importante papel na política sempre que os liberais seculares são impotentes - como nos casos da ocupação nazi, do domínio comunista ou das ditaduras militares. Os liberais são necessários sempre que há compromissos que têm de ser encontrados, mas não têm a mesma utilidade quando é necessário enfrentar a força bruta. Nestes momentos, é quando os visionários, os românticos e os verdadeiros crentes são guiados pelas suas crenças e se dispõem a correr riscos que a maior parte de nós consideraria temerários. De uma forma geral, não é muto benéfico ser governado por tais heróis, mas é bom ter heróis dispostos a sacrificar-se quando são necessários.
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*Professor de Direitos Humanos no Bard College (EUA) © Project Syndicate, 2007. www.project-syndicate.org

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