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(Tau-te-King, 16)


quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Dia Mundial para a Erradicação da Pobreza


Hoje, celebra-se o Dia Mundial contra a Pobreza, num mundo onde, progressivamente, é maior e mais injusto o fosso entre os que vivem num luxo quase imoral e os que sobrevivem na miséria; entre os que querem tudo no presente imediato e os que nada têm nem nada esperam do futuro; entre os que choram porque não conseguiram comprar uns sapatos Chanel da mesma cor do vestido para a próxima festa e os que gritam de desespero porque não têm como alimentar os seus filhos que, não raras vezes, lhes morrem nas mãos!

Lembrei-me de aproveitar este momento para homenagear pessoas que me marcaram.
Uma delas foi um senhor que vou designar como Capitão CQ, por respeito à sua memória, que conheci há uns largos anos numa viagem de comboio na linha de Cascais. Era um senhor de idade, um sem-abrigo, com os olhos muitos tristes, cansados, mas bondosos, que mantinha uma postura muito digna, trazendo preso por uma corda um cãozito de olhos meigos e leais. Aproximei-me e falei com ele, ficando a saber que tinha sido combatente na Guerra Colonial, em Moçambique, como comando miliciano. Segundo as suas palavras, não aguentou chegar a casa um dia e ver em cima dos pratos postos na mesa as cabeças da sua esposa e filhos, cortadas à catanada! Desde então, os momentos de lucidez passaram a lembrar-lhe a demência a que as suas memórias tão dolorosas o remeteram.
Quando voltou para Portugal, depois da independência, ainda tentou receber uma reforma por invalidez, mas em vão. Desde então, vivia em carcaças de carros abandonados com o seu cãozito, o único amigo que lhe restou. Ainda cheguei a deslocar-me à sede dos Comandos em Lisboa, mas informaram-me de que, como miliciano, não tinha direito a algum subsídio. Fiquei aterrada! Como é que um homem que perdeu a sua vida e a dos seus pela pátria que defendeu foi, desta forma tão desumana, enterrado na maior das misérias, sem usufruir de apoios de quem quer que fosse?


Outra pessoa que me marcou foi um senhor que conheci na Praça da Alegria, quando fazia trabalho de voluntariado pela Comunidade Vida e Paz (CVP). Era um senhor já com cerca de 80 anos, polido, com uma educação esmerada, que nos revelou ter trabalhado arduamente durante toda a sua vida, mas que se via, agora, na necessidade imperiosa de dormir nos bancos de jardim da Praça, uma vez que a sua magra reforma, raramente, lhe permitia pagar uma noite numa pensão! E como o Inverno foi rigoroso nesse ano!
A que ponto chegámos- abandonar pessoas que trabalharam honesta e dedicadamente toda a sua vida à sua sorte, à miséria e à solidão, no final das suas vidas, quando mereciam viver e morrer com dignidade!


Casos como estes são, actualmente, tão frequentes que arrisco-me a dizer que este país necessita urgentemente de uma grande dose de decência colectiva! Fala-se tanto em responsabilidade social e nunca vi tantos sem-abrigo na rua como hoje, nem mesmo quando há cerca de 6-7 anos colaborei com a CVP. Façam uma visita ao Rossio num sábado à tarde e verão um cenário completamente destroçador!
O nosso país foi invadido por uma vaga de novo-riquismo proporcional à de uma crédito-dependência fomentada ou pelo desespero, face aos altos níveis de desemprego e falência de milhares de agregados familiares, ou pelo deslumbramento, pela necessidade de se aparentar aquilo que nem se é, nem se tem, face a uma pressão social com laivos claramente provincianos!
Sinto-me desolada quando ouço as boçalidades vindas da boca de gente que só pensa em empaturrar-se alarvemente com manjares extravagantes, banhar-se em marcas luxuosas, frequentar locais da moda, viver unicamente para futilidades, vender a mãe para ter visibilidade mediática e que é incapaz de ajudar o próximo, de ter sequer um gesto de humanidade, a não ser que esteja uma câmara ou uma objectiva por perto! Maria Filomena Mónica tem toda a razão- o retrato queirosiano satírico da sociedade portuguesa continua a encaixar que nem uma luva nesta nossa actualidade, onde pulula esta horda de alpinistas sociais devotados a um materialismo depauperante!

Não há mal algum em ser-se novo-rico, pelo contrário, até é uma forma salutar de democratização do acesso ao poder, mas desde que se crie riqueza que beneficie, também, a comunidade e se tenha alcançado o estatuto com muito trabalho, detendo-se uma clara noção de responsabilidade social. Todavia, muitos são os que se revelam completamente autistas ao ponto de não demonstrarem compaixão alguma pelos seus semelhantes, nem compreensão alguma pela real situação de muitos portugueses, resguardando-se num optimismo eufórico, quase epopaico. Conheço muito boa gente com muito dinheiro cuja generosidade é proporcional à educação, na maioria das vezes esmerada, noutras mais humilde, mas com sólidos princípios incorporados; mas raros são aqueles que conjugam o verbo subir modificado pelo advérbio velozmente com o substantivo humanidade. Cada vez mais, sou adepta do provérbio: "Não peças a quem pediu e não sirvas a quem serviu". E eu que nunca pensei dar razão, neste aspecto, às lições pragmáticas da minha Madrinha, uma sábia e arguta mulher que, com 85 anos já feitos, os vislumbra à distância!


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