Ainda a propósito da vingança e de Sweeney Todd, que é um tema que me interessa sobremaneira, dado que revela o fruto do lado mais instintivo humano, formalmente arquitectado por uma fria racionalidade.
Por vezes, há danos irreparáveis que certos seres mais ou menos desprovidos de consciência provocam nos outros, mais ou menos deliberadamente, isto é, mais ou menos calculadamente. A vítima, perante uma dor lancinante, por vezes, na solidão do desespero, congemina aquilo que encara como a sua redenção, a purificação da sua dor através do sacrifício do seu agressor, pelo dano que lhe infligirá, obedecendo à Lei de Talião: "Olho por olho, dente por dente", por vezes, hiperbolizada em "olho por corpo, dente por vida". Compraz-se nesse cenário futuro de retaliação (o vocábulo tem como étimo a lei supra-citada), como se de um ritual de ascese se tratasse, deixa que o mal provocado por outrem, num momento passado, se arraste por tempo indeterminado, maculando um presente e um futuro sempre adiados, até ter a oportunidade de pôr em prática o maquiavélico e sempre insano plano. Como dizia Mrs.Lovett, uma boa vingança requer tempo e paciência, enquanto ciência de quem, metódica e perfeccionisticamente (perdoem-me o neologismo), tece uma teia meticulosamente urdida. É a vez da mosca apanhar a aranha! É, mais uma vez, a lógica de um Carnaval utópico rabelaisiano, assumido como a inversão momentânea da hierarquização do poder natural ou social- a fragilidade que, por um dia, derruba o forte e se torna autoridade!
A lei prevê que o direito de legítima defesa deva ser proporcional à agressão sofrida, mas isto das vinganças, da complexidade da vida e dos males psicológicos é tudo relativo, assumindo-se as medições objectivas como sempre impraticáveis. Como é que se mede a dor e o medo de uma criança vítima de maus tratos reiterados pelos colegas? Assim, a emocionalidade funciona como um catalisador hiperbólico e, como o sofrimento causado pela acção ofensiva é relativo- depende da natureza, dos princípios de vida, da maturidade e do estado de espírito de quem a sofreu-, também, a reacção poderá ultrapassar em muito o teor da primeira.
Daí que Colombines, vinganças à Sweeney Todd e fenómenos similares nos pareçam, a nós, que racionalmente condenamos o horror de uma reacção tão desproporcionada, um acto tresloucado. É-o com certeza, mas e a acção ou acções que deram lugar a reacções tão terríficas, que revelam o lado mais negro da existência humana? Onde ficam as suas responsabilidades? Será que os seus autores extrairão algumas ilacções e lições do caos que a abertura de uma imprevisível Caixa de Pandora provocou?
Estas reflexões lembram-me, claramente, um filme que me marcou na adolescência: "Carrie" (1976), baseado no primeiro romance de Stephen King, com argumento de Lawrence D. Cohen, realização de Brian de Palma, com Sissy Spacket como main actress. Esta narrativa tem como protagonista Carrie White, uma menina pobre, triste e vítima de violência psicológica doméstica por parte da sua mãe, uma fanática religiosa, e por parte dos colegas da escola. Carrie, o símbolo da vítima de bullying, que usa os seus poderes paranormais para executar a sua vingança final, que mais não é do que a enunciação de um "basta" a quem a abusou, vilipendiou, lhe estropiou os sonhos e a inocência. Vale a pena rever este filme, a propósito de um fenómeno que se assume como uma das principais causas de suicídio nas faixas adolescentes e até infantis em vários países- o bullying, a violência psicológica e, tantas vezes, física, surda e continuadamente, exercida sobre crianças e jovens, pelos seus pares.
Carrie White, uma menina pura que confia até ao último momento em quem sempre a magoou contundentemente e que não suporta mais ser agredida por seres desprovidos de alguma compaixão, passando o white da sua inocência ao red da sua vingança. Terá sido esta uma reacção desproporcionada? Não sei, Stephen King, o autor do romance, o saberá, mas algo se poderá extrair destas histórias dramáticas ficcionais ou reais- o resultado final depende, regra geral, de uma súmula de más acções de que todos os intervenientes se deveriam responsabilizar.
Carrie White, uma menina pura que confia até ao último momento em quem sempre a magoou contundentemente e que não suporta mais ser agredida por seres desprovidos de alguma compaixão, passando o white da sua inocência ao red da sua vingança. Terá sido esta uma reacção desproporcionada? Não sei, Stephen King, o autor do romance, o saberá, mas algo se poderá extrair destas histórias dramáticas ficcionais ou reais- o resultado final depende, regra geral, de uma súmula de más acções de que todos os intervenientes se deveriam responsabilizar.
Mas, comparando o leitmotiv da vingança contextualizado em Sweeney Todd e Carrie e, tendo em conta a forma como os protagonistas nos são apresentados, como dois seres de boa índole cujo lado negro é despoletado pela extrema maldade alheia, pode-se concluir que o mal é de facto, um corruptor, pois até subverte almas puras. Todavia, creio que uma alma equilibrada, direccionada para o Bem, mesmo que seja vilipendiada até ao final da sua resistência humana, nunca converterá o mal recebido como vítima em mal a infligir ao(s) seu(s) agresso(es). É minha convicção que, enquanto o sofrimento provoca em seres com uma essência não muito cândida, para usar um eufemismo, um rancor e uma frustração surdos, descarregados, continuada e veementemente, em forma de fel sobre os outros; em seres espiritualmente elevados, o sofrimento é catalisador de evolução, que pressupõe paz interior e empatia com o universo. Será que estas minhas convicções dicotómicas e até simplistas poderão adaptar-se à realidade? Duvido...Esta é tão complexa!
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