Não foi com muito assombro que visionei a mais recente obra cinematográfica da realizadora indiana Deepa Mehta (nomeada para os Óscares 2007 na categoria de Melhor Filme Estrangeiro), dado que, desde sempre, os filmes indianos me deslumbraram pela sua magia imagética. Das minhas raízes muito mais inter do que multiculturais, fazem parte as cores, os sons e os sabores fortes da cultura iconográfica, musical, filosófica e gastronómica deste povo que comigo partilha o Oceano Índico como berço.
Todavia, este filme tangeu-me a alma pela sábia junção, no seu fabuloso argumento, desse exotismo, sempre presente nas minhas mais recônditas memórias, que me moldou as minhas percepção e expressão estéticas e filosóficas, a uma sensível abordagem de dois temas tabu. Com efeito, o leitmotiv desta película é o destino inexorável e dramático das viúvas hindus que, de acordo com a tradição, ou são queimadas vivas na pira em que arde o cadáver de seu marido, ou dever-se-ão isolar como párias (do Tamul pareyar, tangedor de bombo, os intocáveis, a casta mais baixa entre os hindus, alvo do desprezo das demais), estando-lhes reservado um inelutável ostracismo social até ao final das suas desafortunadas, trágicas, existências.
Esta película relata como a mendicidade e, tantas vezes, a prostituição das mais novinhas são a única forma de sustento de quem a sociedade rejeitou para todo o sempre; como uma dessas casas de abrigo acolhe Chuyia, uma criança que, com apenas 8 anos, já é viúva e Kalyani, uma bela jovem que, também, face ao mesmo estado, vê-se obrigada, desde tenra idade, a vender o corpo, em troca de umas míseras e malditas moedas, acabando por se libertar dessa tortura imposta ao apaixonar-se por um jovem culto e de casta elevada, admirador confesso dos ensinamentos de Gandhi, nomeadamente, da "resistência passiva" contra o regime colonial inglês. E é exactamente neste momento, em que a ideologia deste sábio homem começa a alastrar-se pela Índia, pondo em questão muitas das tradições religiosas e sociais cristalizadas, que estas duas jovens mártires poderão almejar a liberdade, ou não.
É, assim,um filme que relata, igualmente, um flagelo global - o da prostituição infantil, do abuso de menores por "predadores sexuais" que, aproveitando-se da miséria alheia, lhes amputam a infância, em prol das suas mais pérfidas e desumanas perversões.
Um filme a não perder, como acto de resistência cívica, ética, estética e filosófica!
"Água" de Deepa Mehta (Canadá/Índia), com Seema Biswas, Lisa Ray e John Abraham, nomeado para os Óscares 2007 na categoria de Melhor Filme Estrangeiro.
1 comentário:
Das tuas mãos toda a leveza era a certeza de te amar...)*
=NETMITO
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