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sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Sir Harold Kroto, Nobel da Química 1996: ciência versus cultura pop


Photo: Isabel Metello ©

Artigo publicado no jornal Nova em Folha, edição nº 37, Abril 2006

No dia 13 de Dezembro de 2005, a Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) acolheu, no âmbito do ciclo de colóquios intitulado À Luz de Einstein 1905-2005, devotado às comemorações do Ano Internacional da Física, o Professor Doutor Harold Kroto, o famoso investigador do Departamento de Química e Bioquímica da Universidade Estatal da Flórida, galardoado com o Prémio Nobel da Química de 1996. Com uma simplicidade e poder comunicativo extraordinários, Sir Harold Kroto, na sua palestra intitulada 2010, A NANOSPACE ODYSSEY, encantou uma plateia plena de estudantes, professores e curiosos, que acorreram em massa às instalações da FCG. Em suma, Harold Kroto quis demonstrar a sua Teoria da Sustentabilidade que, como explicitou na entrevista concedida ao NEF, assenta no pressuposto de que a humanidade não pode continuar a utilizar ávida e irresponsavelmente os recursos naturais terrestres e que só o investimento no desenvolvimento científico poderá solucionar questões prementes como o problema energético, possibilitando a manutenção do “nosso estilo de vida actual, altamente dependente da energia”. Em concomitância, advogou como indispensável o controlo do uso colectivo dos recursos naturais, tarefa que designou como improvável “na medida em que o mundo moderno está fechado num estilo de vida altamente insustentável”. Só a ciência pode constituir uma força de atrito à dinâmica de destruição do planeta Terra em curso, defendeu. Nesse contexto, Kroto instigou a sociedade civil portuguesa a investir no desenvolvimento das capacidades cognitivas das suas crianças e jovens, como baluarte dos desenvolvimentos científico, socioeconómico e cultural, apelando ao retorno do uso do jogo Meccano, um famoso jogo inventado por Frank Hornby por volta de 1900, em detrimento do Lego. Segundo Kroto, novos brinquedos, entre os quais o Lego, conduziram à extinção do Meccano, o que “contribuiu para que as novas gerações deixassem de desenvolver as suas capacidades, os seus dons, de engenharia, minorando a possibilidade de se tornarem cientistas”. De facto, defende, na sua autobiografia e na entrevista concedida, enquanto que o Lego é um jogo tecnicamente trivial, o Meccano constitui um verdadeiro kit de aprendizagem da engenharia. Isto, porque estimula na criança a aquisição da mais importante das capacidades: a sensibilidade para construir estruturas “governadas pelos mesmos factores que governam as coisas quotidianas como bicicletas, carros e outros mecanismos”, como defendeu na entrevista concedida ao NEF. Com este objectivo em mente, Kroto promove frequentemente workshops de Meccano em todo o mundo que, na sua opinião, “actualizam uma dinâmica que faz com que a ciência esteja ao serviço da pedagogia”. Questionado pelo NEF sobre qual a idade ideal para o desenvolvimento do pensamento matemático numa criança com um QI mediano, apontou a faixa dos 3 anos. Deveras, defendeu que “algumas capacidades são desenvolvidas muito cedo e quanto mais cedo as crianças estiverem imersas num ambiente estimulante, melhor. As crianças aprendem a sua língua na tenra idade e, provavelmente, o mesmo se aplica à análise matemática”.Paralelamente, Kroto participou na construção do projecto Vega Science Trust, focalizado em criar uma plataforma tecnológica de difusão de conteúdos desenvolvidos por especialistas e de actividades de índole científica, de programas educativos, que pretendem constituir uma força de atrito à focalização mediática em debates redutores, que elegem como protagonistas celebridades e políticos. De facto, Kroto, na sua palestra, para além de acusar os media de constituírem dispositivos que inculcam no imaginário colectivo uma imagem caricatural do cientista enquanto um excêntrico que se dedica a algo de inalcançável ao comum dos mortais; aponta-os igualmente como responsáveis pela entronização de uma cultura espectacular difusora de modelos facilitistas e fúteis, que ignora o papel social crucial dos cientistas, dado que se nutre do culto das celebridades, o que constitui, hoje, um dos obstáculos ao desenvolvimento do interesse das crianças e dos jovens pela ciência e, concomitantemente, do seu raciocínio lógico. E o mais irónico e trágico de tudo isto, afirmou, na sua palestra, é que os actuais grandes problemas da humanidade não podem ser resolvidos por celebridades, mas pela ciência e pelo conhecimento, só a ciência pode ajudar a erradicar flagelos mundiais como os da SIDA, do paludismo, da tuberculose,...No final da palestra, Kroto respondeu às perguntas vindas da plateia, afirmando que o conhecimento científico pode ser usado para o benefício da humanidade ou para construir mecanismos autodestrutivos, como a bomba atómica. Nessa medida, Kroto defendeu como garantia de um uso benéfico da tecnologia possibilitada pelo desenvolvimento científico um forte sentido colectivo de responsabilidade social.Interpelado a indicar a que nível a Mecânica Quântica pode ser aplicada à vida comum, Kroto respondeu que o conceito mais importante desta ciência é a ligação, podendo a mesma contribuir para que a humanidade se adapte às alterações céleres verificadas na tecnologia, no mundo laboral e na vida quotidiana, cada vez mais dependentes de uma economia global, caminhando para uma auto-suficiência que evite a disrupção. Face à questão colocada pela repórter do NEF sobre a oposição entre liberdade de pensamento e livre arbítrio estabelecida pelo Nobel na já citada autobiografia disponível online, Kroto respondeu que a função do cientista é duvidar- quando se duvida e se questiona, tudo se desmorona-, não passando o pensamento místico de uma série de obscuridades que impedem o raciocínio lógico e a procura da verdade. Paralelamente, defendeu a necessidade de se postular o relativismo e de se afirmar a humanidade como o valor primordial. Só a racionalização permite tornar-nos cientistas, afirmou. Isto, acrescentou, apesar de muitos valores humanistas advirem de princípios religiosos, como o “não matarás”. “Quanto a mim”, afirmou Kroto, “só sei que não acredito em nada”. Neste âmbito, citou uma frase de Richard Feynman (1918-.), físico galardoado com o Prémio Albert Einstein (1954, Princeton), o Prémio Einstein (Colégio de Medicina) e o Lawrence Haward (1962): “a liberdade para duvidar é uma questão importante em ciência e acredito que noutros campos. Se você sabe que está duvidoso, poderá mudar o mundo”. Interessante será comparar estas opiniões de Harold Kroto com a célebre frase de Einstein: “ciência sem religão é coxa; religião sem ciência é cega” ou com uma declaração proferida pelo célebre físico, quando interpelava por via televisiva o povo americano, que o acolheu na sua fuga ao despotismo nazi, (filmagem disponibilizada ao público na exposição À Luz de Einstein, promovida pela FCG): “A nossa era está orgulhosa do desenvolvimento intelectual humano (...) Procurar a verdade é uma das actividades humanas mais nobres (...) [porém], não devemos transformar o intelecto no nosso deus, ele tem músculos poderosos, mas não tem personalidade, pode conduzir, não pode servir (...)[deveras], o intelecto tem um olho afiado para métodos e para a verdade, mas é cego para valores e fins”. Sir Harold Kroto finalizou a sua cativante palestra afirmando: “Eu sou um Prémio Nobel acidental, isso não me torna mais inteligente do que qualquer outra pessoa, mas as pessoas pensam que sim”. Depois, ficou rodeado de jovens que se acotovelavam para conseguir um autógrafo e uma foto com o Prémio Nobel da Química 1996. Ironicamente, nesse momento, uma jovem que ia a sair do auditório afirmou: “Acordem para a vida, acordem para a realidade, só sei que eu já tenho um autógrafo!”. A ironia da aplicação da lógica da celebridade a quem a encara como um móbil da redução de sentido em curso.



Texto e foto: Isabel Metello

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