Cap: Gotama
(Siddhartha conversa com Buda): "(...) -Uma coisa, Ó Venerável, apreciei acima de todas as outras na tua doutrina. Tudo nos teus ensinamentos é perfeitamente claro e demonstrado; como uma cadeia perfeita, ininterrupta, mostras o mundo como uma cadeia eterna, composta de causas e efeitos. Nunca foi isso visível de forma tão clara, nunca apresentado de forma tão irrrefutável; o coração dos brâmanes certamente baterá mais depressa quando, através dos teus ensinamentos, virem o mundo como uma continuidade perfeita, sem falhas, clara como o cristal, não dependente do acaso, não dependente dos deuses. Se isso é bom ou mau, se a vida é dor ou alegria, são questões que podem continuar em aberto, talvez não sejam importantes- mas a unidade do mundo, a continuidade de todos os acontecimentos, a coexistência de todas as coisas grandes e pequenas na mesma torrente, na mesma lei das causas, da mudança e da morte, isso fica claro na tua sublime doutrina, ó Ser Perfeito. Mas então, segundo os teus próprios ensinamentos, esta unidade e esta continuidade de todas as coisas são quebradas num ponto, através de uma pequena falha corre para este mundo da unidade algo de estranho, algo novo, algo que não existia anteriormente e que não pode ser visto ou demonstrado: é a tua doutrina da derrota do mundo, da libertação. Mas com esta pequena falha, com esta pequena fractura, todas as leis eternas e unas do mundo são também destruídas e abolidas. Perdoa-me por fazer estes reparos (...)"
Hermann Hesse, Siddhartha: Um Poema Indiano, Cruz Quebrada, Casa das Letras, 2007, pp.39-40.
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