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(Tau-te-King, 16)


quarta-feira, 26 de março de 2008

Dos Retornados de Júlio Magalhães : : Energia vital africana

Beira (Moçambique)
Acabei de ter como livro de cabeceira Os Retornados de Júlio Magalhães, o pivot da TVI que nasceu em Angola. É um livro simples, despretensioso, mas (e porquê o mas?!) que se lê com gosto, principalmente para quem viveu esses momentos tão conturbados, dramáticos, marcantes, profundamente enriquecedores da "fuga em massa" a que resolveram dar a designação eufemística de "ponte aérea", cujos protagonistas eram uns "retornados", outros, "refugiados políticos", se quisermos ser isentos nas definições.

Inhassoro (Moçambique)
Júlio Magalhães descreve com uma desenvoltura plena de vitalidade a abertura de espírito que caracterizava essa Gente que perdeu tudo (não me foco nos aspectos materiais, mas, fundamentalmente, nas perdas afectivas, no abandono forçado da sua mátria, na perda de entes queridos, tantas vezes, de forma violenta e testemunhada pelos parentes mais próximos, entre os quais os filhos), muitos a meio da vida. Gente que, na sua grande maioria, teve a coragem para recomeçar do zero e conseguir erguer-se quase miraculosamente- uma lição de vida, principalmente para nós, os filhos, que assistimos a mudanças tão drásticas na nossa vida familiar e social, perdendo a nossa mátria, os nossos amigos, aterrando de pára-quedas num meio cultural que quase nada tinha a ver com o o nosso. Tivemos, de facto, o privilégio de assistir à força inelutável e magnânima que impeliu os nossos pais a reerguerem-se, a renascerem das cinzas...Outros, porém, mais frágeis, sucumbiram à dor....Que Deus os Tenha em Bom lugar, só mentes muito fortes suportaram o que se testemunhou e o que viria a seguir..........................................................................

Essa força inexorável constitui uma das minhas principais heranças simbólicas, moldou a minha forma de encarar a minha própria existência, relativizando a importância de (por)menores que, como o nome indica, são, tendencialmente, dotados de uma mesquinhez sórdida e desprezível.

Nós, os que amámos África, que vivemos aquele continente na sua plenitude, tivemos outro grande privilégio- contactámos com a grandiosidade de locais onde o poder humano estava muito condicionado à vontade indómita da Natureza, tendo sido os nossos sentidos moldados por cheiros, cores, vistas e sabores inebriantes, que, jamais, se esquecem por mais que a nossa diáspora continue.

Inhassoro (Moçambique)

Todavia, e falo por mim e pela minha família, outro dos aspectos nucleares que moldou a minha forma mentis e o meu modus vivendi foi a abertura adstrita à transculturalidade implícita na convivência, desde tenra idade, com a diversidade étnica, religiosa, social, filosófica....Foi essa vivência tão rica desde o berço que me moldou o gosto pela diversidade, pela inovação, pela abertura de espírito, pela relativização de cosmos absolutizantes, pela negação convicta de estereótipos simplistas, de preconceitos estapafúrdios e completamente redutores....
Os meus amigos de infância eram negros, indianos, mestiços, brancos, uns ricos, outros medianos, outros mais pobres, todos diferentes, mas todos iguais nas nossas brincadeiras intermináveis e demasiado radicais para estas novas gerações tão super-protegidas. Era filha de uma autoridade, mas nunca senti isso na pele quanto aos meus relacionamentos afectivos- fui criada por um negro, dancei vestida de peles em festas tribais com apenas 3 ou 4 anos, os meus mitos eram animistas, apesar do cristianismo me ter sido incutido desde que nasci, África embalou-me ao som da marrabenta e em braços negros, brancos, mestiços e indianos. A minha alma é tutticolor.

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