São, hoje, várias as vozes que denunciam o que se designa por banalização da cultura, nomeadamente da arte literária e pictórica, que, outrora, estariam bem segmentadas por dois departamentos, racionalmente espartilhados, assumidos pela intelligentzia universal como estanques: a cultura erudita e a popular.
Acontece que, agora, (aliás, como sempre, os homens é que têm a impressão de que vivem momentos inéditos da História da humanidade- novos podem ser, mas inovadores, só se o forem na área da técnica, porque a essência humana, ó, a essência humana, essa foi sempre a mesma) vivemos um clima de mestiçagem e de hibridação a todos os níveis sócio-culturais, adstrito, também, à renovação das elites que resulta na miscigenação de valores e de expressões mais ou menos artísticas. As fronteiras foram, assim, reformuladas, os purismos deixaram de fazer sentido num mundo profundamente intertextual e fragmentado. Será?
Bem, possivelmente, mas aos acérrimos detractores da literatura designada como light, a herdeira dos romances de cordel, já centenários, apetecer-me-ia colocar duas questões:
(a) será que mesmo "a grande literatura" tal como a convencionalmente a concebemos, não terá sido fruto de uma banalização cultural, de um maior relevo dado ao lado prosaico da existência?
(b) não será preferível que "as massas" consumam estas obras que a intelligentzia lançaria à fogueira do que se abstenham totalmente do hábito da leitura? Uma boa parte da população inglesa não se devota à "grande literatura", antes "devora", quotidianamente, obras light, i.e, tem hábitos diários de leitura, o que, certamente, lhe trará vantagens, independentemente, dos produtos culturais que consome.
(c) justificar-se-à o prurido de se misturar arte e a sua promoção e subsequente transacção comercial, já que a comercialização foi um dos seus objectivos e uma das suas alavancas primordiais? Fará o mesmo prurido sentido numa sociedade de consumo? Não será o mesmo um empecilho à democratização do acesso à arte? Em Inglaterra, por exemplo, as actividades culturais são promovidas como qualquer outro produto consumível e não podemos dizer que se esteja perante um flop, bem pelo contrário.
(d) não estará a difusão das obras dos "grandes escritores" sujeita às mesmas leis de mercado? Serão estas e a influência que exercem sobre a produção artística motivo fulcral da banalização cultural? Não serão sistemas menos afoitos à competitividade e mais à influência e prestígio social cristalizados potencialmente propensos à sacralização de bluffs e concomitante rejeição da renovação e de tudo o que saia do alcance dos seus ditames e interesses?
Bem, são questões que, até, a mim própria me coloco e para as quais ainda procuro respostas, apesar de me mostrar avessa sempre a rótulos simplificadores- esses, sim, são pólos de grandes disfunções banalizantes e de dinâmicas herméticas que impedem que a inovação e a criatividade se instalem ( salvo seja, que a instalação, tal como a conhecemos neste país queirosiano, está sempre muito longe de tais dimensões arejadas, sendo a verdadeira causa/consequência da estagnação que nos persegue como sina............).
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