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Em Moçambique, era muito comum ir-se aos muitos e magníficos espaços de convívio que existiam e encontrar-se, na mesma mesa, um professor universitário, um trabalhador das obras, um médico, um comerciante, um marinheiro, brancos, mulatos, negros, chineses ou indianos, em amena cavaqueira, e todos a tratarem-se por tu. O título de Dr era destinado aos médicos, a sociedade moçambicana era elitista, mas muito nivelada. O convívio são, alargado e fluido era um dado adquirido.
Assim, quando cheguei à então Metrópole, houve duas circunstâncias que, logo, me chocaram em termos estéticos, filosóficos e culturais- uma pobreza material que nunca tinha vislumbrado na vida, uma escuridão nos olhares, nas faces, nas vestes e nas ruas que, aos meus olhos infantis, pareciam saídas de um pesadelo medieval e uma mentalidade hermética colectiva que me aterrorizou pelo silêncio gregarizante implícito. Para além, claro, das barreiras linguísticas- em Moçambique, muitas palavras eram inglesas e o nosso sotaque era muito forte, demasiado para quem nunca tinha de cá saído.
Mantive, todavia, ao longo dos tempos, a maneira de estar africana- apesar de provir de um meio social elevado, sempre mantive relações sociais com pessoas de todos os quadrantes económicos, sociais, filosóficos, políticos, étnicos e até estéticos. Na escola e no liceu nem era in nem out, falava com toda a gente com a mesma simplicidade. Continuei, ao longo da minha vida, a ter amigos de várias proveniências étnicas, sociais, económicas, políticas, filosóficas e é assim que me sinto feliz- no meio da diversidade, da distinção individual, da polilogia e polissemia, enquadradas pela universalidade da essência humana. Os meus Pais assim me educaram- ser tão cordata para o Presidente da República como para um sem-abrigo, devendo ter a obrigação moral de ainda ser mais simpática para com o último, pois o respeito pela fragilidade é um dos baluartes da dignidade humana. Sempre respeitei na íntegra esses princípios tão sabiamente incutidos pelos meus queridos Pais, mais por acções do que por palavras e ainda bem.
Assim, não me causa estranheza que, ao longo da minha vida, nunca tenha gostado muito de me identificar com grupos específicos- lembro-me que tive, nos saudosos anos 80, concomitantemente, amigos hippies, os chamados betinhos e punks e ainda que, quando estava com os primeiros, gostasse de usar saias indianas e os últimos me levassem a usar umas calças da tropa do Avô de um deles, que vestíamos, à vez, durante a semana (eram as nossas calças fetiche), nunca deixei de ser quem era nem nunca me deixei moldar, absoluta e cegamente, pela filosofia gregária de cada um dos díspares grupos por onde passei. Aliás, sempre encarei a identificação total com algo exterior um dos piores ultrajes ao carácter único de cada ser humano, como uma anulação daquilo que há de mais poético e intelectualmente rico e produtivo : os traços distintivos individuais.
Nem o síndroma Beverlly Hills me cativou, para dizer a verdade, a minha série de culto era a intercultural Fame que, profundamente meritocrática, privilegiava o dom e o talento pessoais e não outros expedientes, sempre indignificantes, como trampolim de ambiciosos sem substância alguma. Para mim, simplicidade, abertura de espírito, juventude de alma e gosto pela diferença não foram, não são nem nunca serão sinónimo de pobreza ou de fraqueza, bem pelo contrário, há sofisticações tão paupérrimas que se afirmam como uma autêntica autonegação e menorização lapidares, fundamentalmente de quem transpira arrogância apócrifa e ausência de verticalidade em termos de coluna vertebral!
Hoje, mais madura, encaro a endogamia gregária como um autêntico entrave à criatividade, à inovação, ao crescimento espiritual, pois é tão limitadora! De facto, as dinâmicas endogâmicas são tão perniciosas em termos genéticos como culturais- embrutecem, amolecem, desvitalizam, conduzem os sujeitos a uma apatia sócio-cultural profundamente empobrecedora, pois canaliza-os, tendencialmente, para uma autocentração que os impele ao medo e à aversão perante a diversidade. E não se pense que esta só se encontra em meios mais
beverllyescos, não, pois, neste país, enquanto traços primordiais das matrizes sócio-culturais dominantes, essas sinergias promíscuas e discriminatórias são transversais a todas as faunas urbanas provincianas
, assumindo-se, até, de forma bem explícita, nos meios que rejeitam e demonizam, alardemente, por exemplo, a americanização sócio-cultural. Isto é, as expressões são díspares, mas a matriz operacional é a mesma- muda a embalagem, mas permanece o princípio activo da loção, o paupérrimo e insípido conteúdo......
Uma das especializações que detenho é em dinâmicas interculturais e se há ponto em que quase todos os grandes autores desta área defendem, consensualmente, é que a discriminação, a rejeição da diferença, está associada ao medo e à ignorância. E é de facto o medo e a insegurança que catapultam mentes preconceituosas para a discriminação de quem julgam querer invadir o seu locus sacratus, de quem sabem poder desestabilizar o seu cosmos empobrecido e a máxima que postula que em terrras onde a cegueira é endémica, quem vê, ainda que a preto e branco, é rei.....
Acrescento que todos os "Meus Grandes Mestres", seres excepcionais e ímpares, eram e são dotados de uma curiosidade e respeito pela diferença alheia tão intensas que sempre me cativaram como se um Canto Divino entoassem. São Eles a Minha Luz......................................
Como tal, deixo os apetites redutores e limitadores beverllyescos endogâmicos a quem deles se nutre e "que faça bom proveito da barriga até ao peito". Esta linguagem gastronómica e orgânica não a escolhi em vão- é que, nesta dimensão, há uma clara propensão para uma racionalidade instintiva, quase estomacal e intestinal, visceral, que se nega a si própria, portanto, que em nada engrandece quem está ou se julga dentro, in (quando está, deveras, out daquilo que é essencial). Por mim, declaro não a caça ao pato nem à raposa e muito menos à formiga que, coitada, anda toda atarefada a carregar com os minúsculos grãozitos que consegue abocanhar e a tentar, desesperadamente, manter as atenções sobre si, mas, sim, proclamo, de forma displicente e perfeitamente espontânea, a seguinte evidência (aos meus olhos, claro!): "ai que bem que se está cá fora, pois "ir para fora lá dentro" é uma impossibilidade lógica que só mentes adolescentalizadas, no pior sentido da palavra, ao mesmo tempo que precocemente envelhecidas pelos freios que aceitam como asas, almejam....Pior do que não ter asas é poder tê-las e preferir ficar fechado num círculo redutor, ainda que confortado pelo milho garantido, na gaiola- até o Sol se vê às listas.
Mal sabem estes seres auto-minusculizados que é tão bom voar por cima das nuvens, quase a tocar o Sol.....Ah....e, last but not least, que bom que é "voar contra o vento" e remar saudável e, fulgurantemente, contra a maré, principalmente quando a ventania e as ondas têm detritos incorporados......................Não há nada que nos lave mais a alma e uma alma limpa é meio caminho andado para um caminho em linha recta ..........................................................................
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