Ontem, assisti ao lançamento da obra Guantánamo, de Clive Stafford Smith, advogado inglês representante, desde há vários anos, de muitos dos prisioneiros que se encontram neste reduto do despotismo humano, muitos sem culpa formada e, segundo o autor, sujeitos a torturas ignóbeis, no auditório da Fundação Mário Soares, em Lisboa.
Confesso que fiquei, negativamente, surpreendida com a leveza com que o autor falou do livro, esperava mais, prenunciava uma postura de maior indignação e não, meramente, alguém a discorrer em termos irónicos e até humorísticos sobre o jardim em terra infértil que os britânicos condescenderam em cultivar naquelas áridas paragens, as qualidades do vinho do Porto, ao mesmo tempo que se referia às torturas sofridas pelos seus clientes ou mostrava fotografias do seu mais recente benjamim...Desculpem-me, mas tratar com frivolidade de assuntos desta natureza não se me revela muito, como hei-de dizer?, congruente...Afinal, penso que as vendas do livro não iriam sofrer um grande abalo se o seu conteúdo fosse explicitado de forma mais contundente e menos light, como quem está a dissertar sobre um livro de culinária ou mesmo de etiqueta social.
Quanto à eurodeputada Ana Gomes, que o apresentou, esteve bem, a meu ver, até, muito bem, comparativamente àquilo a que tenho, ainda que de forma mediada, assistido, isto, até descambar, no final, na postura que lhe é tão própria- depositar a responsabilidade, de forma simplista, no former government, do facto de muitos dos aviões da CIA, que transportavam prisioneiros para Guantanamo e outras suas "filiais" sujeitas à deslocalização por essa Europa, Marrocos e Médio Oriente fora, terem por aqui aterrado... A Dra Ana Gomes gosta, muito, de mostrar que tem uma pronúncia do Inglês muito cuidadamente descuidada, o que só lhe faz bem, pois resolve-a um bocadinho mais, ao mesmo tempo que nos lembra que temas que exigiriam uma descentração sublime podem, também, em alternativa, ser tratados respeitando uma dinâmica contrária...
Enfim, eu creio que, nestas sessões, a distribuição (gratuita) de um folheto digest das magníficas obras da Dra Paula Bobone e um chazinho, previamente, servido não fariam mal a alguém, muito pelo contrário- ficaríamos todos mais despertos para as regras da educação e bons hábitos consuetudinários e, já, agora, para a realidade...
whose shameful image?©
Quanto ao Dr. Mário Soares, esteve como ele próprio sempre esteve, designando o cárcere de Guantanamo como «uma vergonha mundial e um símbolo». Engraçado! a palavra vergonha activou, accionou, desencantou, despoletou, desencarcerou, imediata e inconscientemente, a minha memória (sempre a memória, essa grande delatora...) de paquiderme africano e lembrei-me, logo, de outras que por aí pulularam e pululam...Enfim, cada qual com a sua...
whose bloody Africa? ©
Ah, e por favor, não digam que estou a ser demasiado anti-sistémica, pois foi o próprio Dr. Mário Soares que prenunciou, regozijando-se, a morte do "politicamente correcto", essa dimensão que ele nunca abraçou, enquanto expressão da evolução da actual sociedade ocidental...Ao que a Dra. Ana Gomes acrescentou- "foi por isso que fizemos Abril..." Este v. na 1ª pessoa do plural assustou-me um pouco, não sei porquê...Aonde estaria a Dra. Ana Gomes no dia 25 de Abril de 1974? E durante o PREC? Estou curiosa...Certamente, aonde toda a gente deste país estava- a combater o fascismo...Estava tout le monde do lado certo, mais precisamente, na rive gauche das barracadas, perdão, barricadas (encarem estes francesismos como um tributo des(honorário) ao exílio do dr. Mário Soares em Paris, essa cidade de um glamour esplendoroso..), e a agonizar no Tarrafal; os do errado (no sentido dos ponteiros do relógio...) e, principalmente, os colaboradores mais acérrimos eram, meramente, figurantes contratados numa qualquer agência de inexistentes...
Di Vita Quotidiana, Vomito,Taccuino Sanitatis
Isto é, pergunto: alguma alma caridosa me pode dar um Gurosan? Estou com o estômago cada vez mais delicado e já se sabe que, quando os ácidos estomacais nos sobem à orofaringe, o resultado só pode ser borbulhante! Apre! este país padece mesmo de um ataque de Alzheimer colectivo desde há precisamente 34 anos! Alguém me tira deste filme, baseado num romance ficcional alucinado tomado como neo-realista, com um deficit galopante de coragem cívica e de hombridade viril?
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