Rhonda Byrne ©
Tenho lido várias críticas, umas construtivas, outras completamente destrutivas, do best seller de Rhonda Byrne O Segredo. Tenho, igualmente, lido interpretações teóricas díspares da mesma obra: umas revelam uma leitura profunda da mesma, outras uma desconcertante superficialidade sobre o que consideram light, talvez, advinda do desconhecimento sobre os princípios esotéricos milenares que serviram de inspiração à autora, embora expressos de forma simples e despretensiosa.
Os aspectos formais do livro não ajudam, de facto: (a) a sua apresentação demasiado esteticizada e mercantil, que leva muito boa gente a tomá-lo pelo seu invólucro, julgando-o uma obra meramente comercial, minorizando totalmente o seu conteúdo; (b) o discurso fragmentado, pleno de testemunhos de várias figuras mais ou menos públicas, que conduzem um leitor mais incauto a julgar estar perante um receituário digest sobre o sucesso, enunciado por alguma dona-de-casa ociosa e abastada, agora dedicada à literatura light, ou por alguma celebridade, superficialmente, devotada a alguma crença de pacotilha, que minoriza o esforço da escrita pela acumulação de palavras alheias. Leitor mais incauto que antevê esta figura feminina estereotipada coadjuvada neste seu capricho esotérico por alguns dos seus amigos mundanos que, por acaso, detêm uns títulos académicos, talvez até ficcionados, como garantia da fiabilidade do projecto.
Malvadas vãs aparências que nos iludem (quase) sempre! Mas que podemos fazer? Estamos sócio-culturalmente programados para julgar o mundo e os outros pelos seus sinais exteriores e, frequentemente, subestimamos o que os nossos olhos tomam, levianamente, por superficial e oco, porque não se enquadra nos nossos quadros mentais esquadrinhados por classificações redutoras. Deste modo, não raras vezes, os nossos rituais quotidianos consuetudinários de reconhecimento do pensamento e da vivência alheios orientam-se por clichés, por preconceitos, mecanismos muito estreitos a raciocínios simplistas e a uma necessidade constante de reforçarmos a nossa auto‑estima pela diminuição do outro. E quem necessita de diminuir alguém para inflacionar a sua auto-estima entra sempre num ciclo vicioso pernicioso, i.e., nunca a reforça verdadeiramente, antes cai num emaranhado pleno de negativismo que o conduz a um deficit de amor-próprio cada vez mais difícil de ser debelado. Aliás, a discriminação, em si, é um acto que revela, per se, uma auto‑estima deficitária. Quem gosta de si, quem se respeita, gosta e respeita, verdadeiramente, (de) os outros, e, embora possa com eles não se identificar ou discordar, não tem medo da diferença, seja ela intelectual, étnica, filosófica, entre outras, pelo contrário, encara o contacto com a diversidade como pólo de enriquecimento pessoal. Infelizmente, o unanimismo e o seguidismo são caminhos mais fáceis e confortáveis, daí que tenham tantos adeptos, sendo denunciadores de uma renúncia do sujeito a si, às suas convicções pessoais, à sua capacidade de olhar o mundo de forma díspar e individual. É que olhar o mundo de forma particular e enunciar essa visão individualizada não é fácil e traz-nos sempre bastantes fricções, não raras vezes, despoletadas pela petulância dos unanimistas convictos, escudados na quantidade de adeptos das suas ideias mais ou menos massificadas, como caução da sua validade e pertinência. Associa-se a verdade ao número e, paradoxalmente, desqualificam‑se indivíduos e produtos culturais exactamente pelo critério numérico. Estranho raciocínio dúbio!
Mas voltando ao cerne da questão, na minha modesta opinião, O Segredo é uma obra que, na sua extrema simplicidade, consegue atingir o que só as boas obras conseguem: a ambiguidade da leitura. Ambiguidade reflectida nas várias dimensões interpretativas da obra, podendo-se, simplisticamente, dividir os seus leitores por dois grandes grupos: (a) os cépticos - os que crêem estar perante mais um livro de auto-ajuda facilmente digerido pelas massas incultas e manipuláveis, com claros propósitos comerciais; (b) os crédulos. Este último grupo subdivide-se em mais dois: (i) os que se sentem fascinados pela obra como inspiração para o seu sucesso individual, acreditando piamente que, se actualizarem a “lei da atracção”, projectando os seus pensamentos positivos para a recorrente visualização de um carro último modelo, umas férias num destino luxuoso e uma casa na Quinta da Marinha, conseguirão alcançar, certamente, a materialização das suas quimeras. A estes chamar-lhes-ei, sem qualquer tipo de preconceito, os crédulos materialistas. O outro grupo designá-lo-ei pelos (ii) crédulos espiritualistas. Estes encaram a leitura da obra de Rhonda Byrne como um alento a redescobrirem ou a prosseguirem a(s) sua(s) efémera(s), mas crucial (is), marcha(s) por esta viagem a que se convencionou chamar vida, sabendo que a milenar "lei da atracção" (pensamentos positivos atraem pensamentos positivos, materializando-se em acontecimentos da mesma índole) se une à lei da acção/ reacção (a energia adstrita a todos os nossos pensamentos e acções retorna sempre à fonte, i.e., qualquer bom ou mau pensamento, qualquer boa ou má acção sem redenção, regressará ao seu autor). Deste modo, tentam actualizar os ensinamentos da obra centrando-se numa dimensão espiritual focalizada em objectivos que primam pela descentração e não pelo egoísmo (uma das energias mais negativas que existem, a par do medo).
Mas não crendo ser muito crítica, já me deparei com outro tipo de crédulos: (iii) os pseudo-crédulos: os que, aparentemente, retiram ilacções profundas do livro, mas demonstram uma dificuldade suprema em tornar prática a teoria. De facto, não é fácil, e hoje a facilidade é cada vez mais apetecível, tudo o que implique sacrifício ou grande esforço recebe logo o epíteto de “enfadonho”. É tão mais engraçado falar-se de conceitos esotéricos milenares com ligeireza, com alegria pós-moderna, sem a necessidade de se praticar o que se defende em discursos tão belos.
Os aspectos formais do livro não ajudam, de facto: (a) a sua apresentação demasiado esteticizada e mercantil, que leva muito boa gente a tomá-lo pelo seu invólucro, julgando-o uma obra meramente comercial, minorizando totalmente o seu conteúdo; (b) o discurso fragmentado, pleno de testemunhos de várias figuras mais ou menos públicas, que conduzem um leitor mais incauto a julgar estar perante um receituário digest sobre o sucesso, enunciado por alguma dona-de-casa ociosa e abastada, agora dedicada à literatura light, ou por alguma celebridade, superficialmente, devotada a alguma crença de pacotilha, que minoriza o esforço da escrita pela acumulação de palavras alheias. Leitor mais incauto que antevê esta figura feminina estereotipada coadjuvada neste seu capricho esotérico por alguns dos seus amigos mundanos que, por acaso, detêm uns títulos académicos, talvez até ficcionados, como garantia da fiabilidade do projecto.
Malvadas vãs aparências que nos iludem (quase) sempre! Mas que podemos fazer? Estamos sócio-culturalmente programados para julgar o mundo e os outros pelos seus sinais exteriores e, frequentemente, subestimamos o que os nossos olhos tomam, levianamente, por superficial e oco, porque não se enquadra nos nossos quadros mentais esquadrinhados por classificações redutoras. Deste modo, não raras vezes, os nossos rituais quotidianos consuetudinários de reconhecimento do pensamento e da vivência alheios orientam-se por clichés, por preconceitos, mecanismos muito estreitos a raciocínios simplistas e a uma necessidade constante de reforçarmos a nossa auto‑estima pela diminuição do outro. E quem necessita de diminuir alguém para inflacionar a sua auto-estima entra sempre num ciclo vicioso pernicioso, i.e., nunca a reforça verdadeiramente, antes cai num emaranhado pleno de negativismo que o conduz a um deficit de amor-próprio cada vez mais difícil de ser debelado. Aliás, a discriminação, em si, é um acto que revela, per se, uma auto‑estima deficitária. Quem gosta de si, quem se respeita, gosta e respeita, verdadeiramente, (de) os outros, e, embora possa com eles não se identificar ou discordar, não tem medo da diferença, seja ela intelectual, étnica, filosófica, entre outras, pelo contrário, encara o contacto com a diversidade como pólo de enriquecimento pessoal. Infelizmente, o unanimismo e o seguidismo são caminhos mais fáceis e confortáveis, daí que tenham tantos adeptos, sendo denunciadores de uma renúncia do sujeito a si, às suas convicções pessoais, à sua capacidade de olhar o mundo de forma díspar e individual. É que olhar o mundo de forma particular e enunciar essa visão individualizada não é fácil e traz-nos sempre bastantes fricções, não raras vezes, despoletadas pela petulância dos unanimistas convictos, escudados na quantidade de adeptos das suas ideias mais ou menos massificadas, como caução da sua validade e pertinência. Associa-se a verdade ao número e, paradoxalmente, desqualificam‑se indivíduos e produtos culturais exactamente pelo critério numérico. Estranho raciocínio dúbio!
Mas voltando ao cerne da questão, na minha modesta opinião, O Segredo é uma obra que, na sua extrema simplicidade, consegue atingir o que só as boas obras conseguem: a ambiguidade da leitura. Ambiguidade reflectida nas várias dimensões interpretativas da obra, podendo-se, simplisticamente, dividir os seus leitores por dois grandes grupos: (a) os cépticos - os que crêem estar perante mais um livro de auto-ajuda facilmente digerido pelas massas incultas e manipuláveis, com claros propósitos comerciais; (b) os crédulos. Este último grupo subdivide-se em mais dois: (i) os que se sentem fascinados pela obra como inspiração para o seu sucesso individual, acreditando piamente que, se actualizarem a “lei da atracção”, projectando os seus pensamentos positivos para a recorrente visualização de um carro último modelo, umas férias num destino luxuoso e uma casa na Quinta da Marinha, conseguirão alcançar, certamente, a materialização das suas quimeras. A estes chamar-lhes-ei, sem qualquer tipo de preconceito, os crédulos materialistas. O outro grupo designá-lo-ei pelos (ii) crédulos espiritualistas. Estes encaram a leitura da obra de Rhonda Byrne como um alento a redescobrirem ou a prosseguirem a(s) sua(s) efémera(s), mas crucial (is), marcha(s) por esta viagem a que se convencionou chamar vida, sabendo que a milenar "lei da atracção" (pensamentos positivos atraem pensamentos positivos, materializando-se em acontecimentos da mesma índole) se une à lei da acção/ reacção (a energia adstrita a todos os nossos pensamentos e acções retorna sempre à fonte, i.e., qualquer bom ou mau pensamento, qualquer boa ou má acção sem redenção, regressará ao seu autor). Deste modo, tentam actualizar os ensinamentos da obra centrando-se numa dimensão espiritual focalizada em objectivos que primam pela descentração e não pelo egoísmo (uma das energias mais negativas que existem, a par do medo).
Mas não crendo ser muito crítica, já me deparei com outro tipo de crédulos: (iii) os pseudo-crédulos: os que, aparentemente, retiram ilacções profundas do livro, mas demonstram uma dificuldade suprema em tornar prática a teoria. De facto, não é fácil, e hoje a facilidade é cada vez mais apetecível, tudo o que implique sacrifício ou grande esforço recebe logo o epíteto de “enfadonho”. É tão mais engraçado falar-se de conceitos esotéricos milenares com ligeireza, com alegria pós-moderna, sem a necessidade de se praticar o que se defende em discursos tão belos.
Mas, claro, apesar de ninguém ser totalmente coerente na prática com o que defende em teoria, há verdadeiras atitudes aberrantes que denunciam uma incongruência básica entre essas duas dimensões. E já diziam: Gandhi: “Acreditar em algo e não o viver é desonesto”; Bailey: “A primeira e pior de todas as fraudes é enganar-se a si mesmo. Depois disto, todo o pecado é fácil”; S. Cipriano: “Deus não escuta a voz, mas o coração”.
Todavia, o busílis da questão não é falar-se ligeiramente de questões espirituais muito profundas, pelo contrário, o cerne do problema é quando, pela leviandade e pela não coerência recorrente, se deturpam mensagens que se afastam muito da mundanidade, degradando-as no seu (quase) contrário. Distinga-se, a propósito, ligeireza de simplicidade- a ligeireza, a leviandade, nada tem a ver com a simplicidade, que é própria de almas nobres, que se auto-questionam e dão relevância aos outros, sem dar demasiada importância a si próprios. Já a leviandade é própria de seres que vivem na e para a aparência, que se deslumbram com a banalidade e que rejeitam a profundidade, pois isso levá-los-ia a uma auto-análise que rejeitam, por medo de encararem o seu eu nu, sem adereços ou máscaras artificiais.
Mas o que tem isto a ver com O Segredo? A meu ver, tudo- pela prática daquilo que nos propõe conseguiremos, de facto, conduzir as nossas vivências para um percurso mais nobre e positivo, mas respeitando sempre uma condição transversal a todas as religiões ou filosofias esotéricas: a descentração e o claro respeito pelo outro. E, já agora, outro pressuposto que, também, revela a sua transversalidade esotérica: a abertura de espírito. Já aqui o disse, mas penso pertinente repeti-lo: a abertura de espírito é o que distingue a autêntica inocência da ingenuidade- inocente é quem, embora já se possa ter magoado muito com as vilezas mundanas, consegue manter uma certa candura quase infantil que lhe permite vislumbrar os vindouros sem o espectro das experiências negativas passadas; ingénuo é meramente aquele que não tem experiência de vida, nem as defesas que daí advêm. Um inocente é, acima de tudo, um indivíduo responsável, uma vez que, acima de tudo, defende e pratica a confiança no outro, embora tendo consciência de que se poderá magoar nessa entrega; um ingénuo engana-se porque a sua pouca experiência de vida não lhe dá outra alternativa. Daí o conceito de “inocência primordial” ser igualmente transversal a vários credos como condição basilar no percurso da evolução espiritual.
Todavia, o busílis da questão não é falar-se ligeiramente de questões espirituais muito profundas, pelo contrário, o cerne do problema é quando, pela leviandade e pela não coerência recorrente, se deturpam mensagens que se afastam muito da mundanidade, degradando-as no seu (quase) contrário. Distinga-se, a propósito, ligeireza de simplicidade- a ligeireza, a leviandade, nada tem a ver com a simplicidade, que é própria de almas nobres, que se auto-questionam e dão relevância aos outros, sem dar demasiada importância a si próprios. Já a leviandade é própria de seres que vivem na e para a aparência, que se deslumbram com a banalidade e que rejeitam a profundidade, pois isso levá-los-ia a uma auto-análise que rejeitam, por medo de encararem o seu eu nu, sem adereços ou máscaras artificiais.
Mas o que tem isto a ver com O Segredo? A meu ver, tudo- pela prática daquilo que nos propõe conseguiremos, de facto, conduzir as nossas vivências para um percurso mais nobre e positivo, mas respeitando sempre uma condição transversal a todas as religiões ou filosofias esotéricas: a descentração e o claro respeito pelo outro. E, já agora, outro pressuposto que, também, revela a sua transversalidade esotérica: a abertura de espírito. Já aqui o disse, mas penso pertinente repeti-lo: a abertura de espírito é o que distingue a autêntica inocência da ingenuidade- inocente é quem, embora já se possa ter magoado muito com as vilezas mundanas, consegue manter uma certa candura quase infantil que lhe permite vislumbrar os vindouros sem o espectro das experiências negativas passadas; ingénuo é meramente aquele que não tem experiência de vida, nem as defesas que daí advêm. Um inocente é, acima de tudo, um indivíduo responsável, uma vez que, acima de tudo, defende e pratica a confiança no outro, embora tendo consciência de que se poderá magoar nessa entrega; um ingénuo engana-se porque a sua pouca experiência de vida não lhe dá outra alternativa. Daí o conceito de “inocência primordial” ser igualmente transversal a vários credos como condição basilar no percurso da evolução espiritual.
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