Neste início de ano, resolvi republicar a tradução do Prólogo da Autobiografia de Bertrand Russell. Nada melhor para acordar em todos nós a urgência de uma sociedade mais humanizada e menos autocentrada.
A vida pela escrita
O NEF presta aqui a sua homenagem a Bertrand Russell, traduzindo o Prólogo da sua Autobiografia, intitulado Para que vivi. Lembremo-nos de que Bertrand Russell (1872-1970), Pémio Nobel da Literatura de 1950, pela publicação da sua obra História da Filosofia Ocidental, foi um filósofo contemporâneo de Einstein que, juntamente com o genial físico, elaborou um manifesto focalizado no apelo à paz mundial. Afirma-se, igualmente, esta reprodução das palavras de Russell como uma homenagem a Vítor Madeira, um homem puro que, apaixonadamente, fez a recolha deste texto enquanto reflexo do seu percurso vivencial.
“Três paixões, simples, mas extasiadamente fortes, governaram a minha vida: a busca do amor, a procura do conhecimento, e uma compaixão difícil de suportar pelo sofrimento da humanidade. Três paixões, como grandes ventos, empurrraram-me para várias direcções, num curso incontrolável, para um oceano profundo de angústia, atingindo o limite do desespero. Em primeiro lugar, procurei o amor, porque ele traz o êxtase- um tão grande êxtase que eu teria sacrificado, muitas vezes, o resto da vida por umas horas desta alegria. Seguidamente, procurei-o porque alivia a solidão- aquela terrível solidão na qual uma consciência tremente olha para o fim do mundo, para o frio e inexplicável abismo desprovido de vida. Eu procurei-o, finalmente, porque, na união do amor, eu vi, numa miniatura mística, a visão prefigurada do paraíso que santos e poetas imaginaram. Isto foi o que procurei, e pensei que fosse demasiado bom para a vida humana, isto foi o que- finalmente- encontrei. Com igual paixão, eu procurei o conhecimento. Eu desejei compreender o coração dos homens. Eu desejei saber por que as estrelas brilham. E tentei apreender o poder pitagórico pelo qual o número detém influência sobre o fluxo. Um pouco disto, mas não muito, eu alcancei. Amor e conhecimento, na medida da sua possibilidade, conduziram-me às alturas em direcção aos céus. Mas a piedade sempre me trouxe de volta à terra. Ecos de choros de dor repetem-se no meu coração. Crianças famintas, vítimas torturadas por opressores, idosos indefesos como um fardo odioso para os seus filhos, e todo o mundo da solidão, pobreza e dor gozam com o que a vida humana deveria ser. Eu anseio por aliviar o mal, mas não posso, e eu sofro também. Esta tem sido a minha vida. Eu tenho-a considerado digna de ser vivida, e vivê-la-ia de novo se a oportunidade me fosse dada”.
Artigo publicado na edição nº 37 do jornal Nova em Folha, Abril 2006
Secção: Cultura (editora: Isabel Metello)
Pesquisa: Vítor Madeira
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