"Bem sei que é uma vaidade dizer em plena primavera que eu sei o que é primavera. Às vezes porém sou tão humilde que os outros me chamam a atenção. É uma humildade feita de gratidão talvez excessiva, é feita de um eu de criança, de susto também de criança. Mas, desta vez, quando percebi que estava humilde demais com a alegria que me era dada pela vinda da primavera chuvosa, dessa vez apossei-me do que é meu e dos outros.
Sei o que é primavera porque sinto um perfume de pólen no ar, que talvez seja o meu próprio pólen, sinto estremecimentos à toa quando um passarinho canta, e sinto que sem saber eu estou reformulando a vida. Porque estou viva. A primavera torturante, límpida e mortal que o diga, ela que me encontra cada ano tão pronta para recebê-la. Bem sei que é uma perturbação de sentidos. Mas, por que não ficar tonta? Aceito esta minha cabeça à chuva tremeluzente da primavera, aceito que eu existo, aceito que os outros existam porque é direito deles e porque sem eles eu morreria, aceito a possibilidade do grande Outro existir apesar de eu ter rezado pelo mínimo e não me ter sido dado.
Sinto que viver é inevitável. Posso na primavera ficar horas sentada fumando, apenas sendo. Ser às vezes sangra. Mas não há como não sangrar pois é no sangue que sinto a primavera. Dói. A primavera me dá coisas. Dá do que viver. E sinto que um dia na primavera é que vou morrer. De amor pungente e coração enfraquecido."
5 de outubro de 1968
(“A descoberta do mundo”. Crônicas. Ed. Rocco, 1999)
"Projecto De Luta Contra a Pobreza e Exclusão Social
A Associação Protectora dos Pobres (APP), do Funchal, também está a pedir ajuda. A APP é a mais antiga instituição de solidariedade da Madeira. Aproveitamos para recordar os bens pedidos: - Lençóis- Cobertores- Mantas- Almofadas- Roupa interior (H/ S e criança)- Roupa em geral- Produtos de higiene- Fraldas- Leite em pó- Comida para bébé- Enlatados."
Este blog deveria estar em sabática (:), mas não resisti a postar estes simples pensamentos que
que se me afloram depois do dia consagrado aos efeitos mais ou menos intensos do Cupido, deus romano do Amor, denominado Eros no panteão matricial grego. Deus incorrigível filho de Marte e de Vénus ou Afrodite, fruto de duas forças antagónicas e complementares- o Ódio e o Amor- que faz com que "o coração" tenha "razões que a razão desconhece", se não me engano uma citação de Pascal e que, voltando ao autor da Teoria das Probabilidades, o "esprit de finesse" alcance aquilo que o géométrique nunca entenderá por mais neurónios de que se valha...
Enfim, e para quê? Para louvar o Amor Sublime, desta vez não o assim qualificado pela cultura greco-latina- o Agapé, correspondente ao Amor Cristão- , mas o Amor Eros na sua essência. i.e., o Amor não puramente carnal, mas, essencialmente, espiritual, que conjuga o Caos e o Cosmos numa harmonia vital, própria de uma relação amorosa na plena acepção da palavra...
Isto numa sociedade consumista onde os indivíduos actualizam, quotidiana e levianamente, não só a descartabilidade como a objectivação do Outro, com quem estabelecem relações superficiais e interesseiras em prol do suporte de um egoísmo patológico, insensível e insuportável, completamente auto e hetero destrutivo e menorizante....Daí que ande (quase) toda a gente à procura no exterior da simulação daquilo que só no interior nasce espontânea e autenticamente...será talvez como procurar caxemira num quintal de hortaliças (e daí talvez a ideia (plim!:) das hortas urbanas lhes estimule a carótida...:), mas enfim...
West Side Story
Mas, já me perdi- o que quero eu dizer com isto? Mais uma vez me socorro de uma citação da saudosa Rainha D. Amélia, que demonstra bem a fibra desta senhora majestática:"vale mais ser rainha uma hora do que duquesa toda a vida", i.e., que nada se compara a Amar alguém com sinceridade, espontaneidade e autenticidade, não há matéria luxuosa que se compare à experienciação deste sentimento sublime, que despoleta uma autêntica evolução espiritual nos privilegiados que alguma vez o sustenta(ra)m...talvez por isso me encantem (espanholizei o discurso pois, simplesmente, adoro esta expressão de nuestros hermanos...:) filmes e respectivas sublimes bandas sonoras que retratam amores inexoráveis (e, frequentemente, impossíveis e é nessa impossibilidade que reside a coragem de sustentar um sentimento não materializável...), como o Amor em Tempos de Cólera (que nos mostra, ainda que timidamente, ser uma relação adúltera por Amor muito mais digna do que uma relação legítima consagrada pela mera conveniência mundana- não admira, portanto, que a moral pequeno-burguesa, muito afoita à venalidade da matéria e à sua conservação, sacralize a banalidade do segundo termo de comparação...enfim, perspectivas...) ou O Fantasma da Ópera (a propósito, torci sempre pelo fantasma :)...Aqui ficam os trailers :) olé!
A noção de honra evoluiu com os tempos e esteve, desde sempre, semanticamente, associada a dois extremos quase opostos- a glória mundana e a evolução espiritual, no sentido de rectidão, dignidade vivencial, de respeito por si, pelos outros e pela palavra dada, enquanto reflexo da honestidade de carácter, enquanto virtude de ser-se e de viver-se com elevação.
Palavras mais gastas, dirão uns, que não fazem qualquer sentido nos dias de hoje, onde a celeridade das comunicações é paralela à mutação das opiniões, da palavra e do próprio ser, mais afoito à flexibilidade da coluna vertebral e de jogos de interesse.
Serão sinais dos tempos? Não creio, os meios mudam, a essência permanece e a do homem, enquanto espécie, sempre foi e será a mesma. Todavia, ainda há quem considere estes dois traços de personalidade como fundamentais à sua dignidade individual...
Regozijemo-nos, pois sempre houve resistentes à redução do homem ao seu estádio mais básico: a animalidade...Eppur se Muove!